quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Dinamização das aulas de Geometria através da Modelagem Matemática.

Daniel Sombra1, Edwillson Filho2 e Josane Martins3.

Resumo
Neste artigo abordamos com um exemplo específico – aulas de geometria – a Modelagem Matemática. As bases as quais utilizamos, em sua maioria, possuem um trato teórico do assunto, entretanto o artigo “Geometria e Natureza: uma associação perfeita para trabalhar conceitos Geométricos e O ensino da Geometria com o uso de embalagens” apresenta ações práticas, as quais fundamentam nossa proposta. Nosso objetivo é propor alterações – devidamente especificadas – em relação ao ensino tradicional.
Palavras-chaves: Modelagem Matemática, Educação Matemática, Geometria, Dinamização, Objetos Geométricos.

Por que dinamizar?
Há muito tempo a humanidade está convencida da utilidade do conhecimento matemático para o progresso das civilizações. O ensino da Matemática a crianças também não é recente, Sócrates, Platão e Aristóteles já discutiam acerca dessa temática. No entanto, desde a época desses renomados filósofos até os dias atuais o ensino deste conhecimento atravessa dificuldades, as quais nem sempre consegue superar. A principal delas diz respeito ao método de transmitir as informações do universo matemático a crianças ou indivíduos que ainda não têm formalizado um raciocínio matemático, ou, dito de outro modo, que ainda não tem embasamento para maiores operações; que estão ainda, portanto, em um “estágio pré-operatório”. (PIAGET: 1989).


1 - SOMBRA, Daniel – Graduando em Licenciatura Plena em Matemática pela UEPA – tadjista@gmail.com
2- FILHO, Edwillson – Graduando em Licenciatura Plena em Matemática pela UEPA – edwillson19@hotmail.com
3- MARTINS, Josane – Graduando em Licenciatura Plena em Matemática pela UEPA – josane_martins@hotmail.com
Estabeleceu-se, contudo, para isso, uma tradição: os conhecimentos matemáticos estariam sobre a base das operações fundamentais – adição, subtração, multiplicação e divisão – e essas deveriam ser memorizadas pelos aprendizes. A partir daí, se estruturou todo um método de ensino baseado na memorização de operações, fórmulas e resoluções. Contudo, no início deste século XXI, novas alternativas são clamadas. Nas últimas décadas do século passado várias correntes pedagógicas ganharam espaço nas diversas áreas do ensino abordando novas concepções acerca das questões “O que ensinar?”, “Como ensinar?”, “Para que ensinar?”. Um fenômeno que atingiu desde as áreas do conhecimento sobre a humanidade, como a Geografia até as áreas do conhecimento sobre a natureza, como a própria Matemática. Nesta, a corrente de maior destaque é, sem dúvidas, a Educação Matemática, a qual trouxe para o ensino várias tendências, uma destas, que será o objeto desta abordagem, é a Modelagem Matemática, que implica em mudanças estruturais no processo de ensino-aprendizagem. Como afirma BASSANEZI (1990):
“Trabalhar com modelagem matemática no ensino não é apenas uma questão de ampliar o conhecimento matemático, mas sobretudo de se estruturar a maneira de pensar e agir.”
Modelar é manusear os materiais que cercam o aluno. Uma questão de entender o que se está construindo – e para Piaget (1989), é somente através da construção que o indivíduo internaliza o conhecimento – e alterar o pensamento pré-existente. Trabalhar com modelagem matemática é aplicar esses conceitos ao ensino da matemática.

Explorando a Modelagem.
A modelagem matemática, entendida como a arte de expressar situações através de modelos matemáticos, da linguagem matemática, é, a exemplo do conhecimento matemático, muito antiga. Mas seu conceito moderno surge no Renascimento, quando se constroem as primeiras explicações físicas da Terra e do Universo apresentadas com linguagem matemática – até então, as grandes explicações físicas eram apresentadas com linguagem filosófica – e ganhando maiores contornos com as explanações de Galileu Galilei, para quem a Matemática era o código para decifrar a Natureza. Contudo, A modelagem na Educação é mais recente e deve muito de sua contribuição teórica inicial em nosso país a Aristides Camargo Barreto, Rodney Bassanezi e Ubiratan D'Ambrósio.
A Modelagem Matemática na Educação parte de um pressuposto da Psicologia – mas exatamente, da Teoria Construtivista de Jean Piaget – o qual se refere ao fato de que o ser humano aprende, absorve conhecimentos, construindo seu conhecimento por um processo de organização e adaptação biológica. Construindo modelos de raciocínio a partir dos objetos disponíveis no meio no qual está inserido, o que implica na seguinte proposição: um aluno que constrói um determinado modelo explicativo terá uma probabilidade maior de adquirir um aprendizado do que aquele que decora, memoriza um modelo complexo dado de um todo explicativo.
A ideia inicial é esta, o aluno deverá “construir seu próprio raciocínio.” Claro está o fato de que um aluno – que ainda não possui um determinado conhecimento o qual se pretende que ele aprenda – não conseguirá chegar a uma fórmula, a um modelo pronto para compreender uma problemática qualquer – nada impede exceções, como um aluno “superdotado”. Porém, em geral, não se espera que o aluno chegue subitamente a uma explicação complexa e definida com ferramentas que ele ainda não conhece. Para que o aluno chegue ao modelo o qual se pretende ensinar é necessário que o professor guie, forje o caminho através de “dicas”, sugestões.
A problemática que levará ao problema não poderá ser retirada de qualquer contexto, ao contrário deverá estar diretamente relacionada ao cotidiano do aluno – nesse ponto a Modelagem aproxima-se da Etnomatemática – podendo ser uma situação envolvendo lugares e hábitos do aluno, ou ainda, objetos do imaginário lúdico do aluno. Por exemplo, a um aluno da cidade de São Paulo que frequenta a Feira do Pacaembu, ou a um aluno da cidade de Belém que frequenta o mercado Ver-o-Peso, poderá ser dado uma problemática a respeito de uma tabela de preços, lucros e custos para o vendedor, objetivando que o aluno chegue a uma equação de segundo grau. Para que a partir deste momento se mostre a equação de segundo grau genérica, “abstrata”.

A nossa proposta: dinamização das aulas de Geometria.
O exemplo o qual pretendemos explanar, neste artigo, diz respeito, inicialmente, ao uso de embalagens – exemplo já trabalhado com êxito por VENTURA & VICENTE (s. d.) – no ensino da Matemática. As embalagens são responsáveis por conservar o produto que trazem. Mas, não apenas isto, elas também dão ao consumidor uma imagem do produto, de fácil memorização, logo, cumprem um papel publicitário e lúdico. Aproveitando esse aspecto lúdico é fácil concluir que certas embalagens de achocolatados, iogurtes, pizzas e outros possuem forte apego infantil-juvenil. Porém, ressaltamos, desde já, que um de nossos objetivos é incentivar o professor a retirar os educandos do ambiente tradicional de sala de aula e, portanto, nossa proposta vai além do uso de embalagens. Estamos falando em abordar outras diversas estruturas naturais e antropogênicas que resultem em modelos matemáticos. Afinal, sobre os modelos tradicionais com aplicação já demonstrada nos livros clássicos que abordam o assunto, como ressalta BIEMBENGUT & HEIN (2007), “O professor pode utilizá-lo na íntegra, adaptá-lo para algum curso ou turma em especial ou/e ainda elaborar textos com outros temas (...). Cabe ao professor acrescentar ou excluir tópicos matemáticos de acordo com a série na qual deseja implantar [o modelo] e, é claro, com os objetivos que espera alcançar”. Com base nisto segue a nossa proposta de “dinamização das aulas de Geometria”, com adaptações em relação às propostas de BASSANEZI (1990), BIEMBENGUT (1999) e VENTURA & VICENTE (s. d.), que podem ser encontradas a referidas obras. Nosso objetivo maior é sempre aproximar o máximo possível o aluno do processo educacional, e, em particular, da Matemática.
As etapas da aplicação da nossa proposta.
A proposta toma corpo com a saída do professor e dos estudantes do ambiente de estudos para um ambiente externo, seja uma natureza humanizada ou física. No primeiro caso as entidades geométricas presentes nos objetos do espaço são notórias – a exemplo de sofás, cadeiras, garrafas, brinquedos de um pátio de colégio etc. – ficando a cargo do professor as primeiras associações, tanto no âmbito da Geometria Plana – polígonos e seus perímetros e áreas – como no âmbito da Geometria Espacial – poliedros e seus volumes. Instigando o aluno a perceber que a escolha das formas dos objetos não foi feita ao acaso, ao contrário, obedeceu a critérios estéticos e econômicos, os quais regem a sociedade capitalista do atual período histórico. Isto mostrará ao aluno que a Matemática não é uma realidade paralela, puramente abstrata, e sim uma ciência a serviço das necessidades humanas.
Quando a análise for processada em relação à natureza física, exterior ao ser humano – o conjunto de animais, plantas, elementos minerais etc. – o percurso fora da sala de aula deve ser previsto cuidadosamente, uma vez que nesta os entes geométricos não estão evidentes. A Geometria está presente de diversos modos na natureza física, entretanto, esta presença não é facilmente captada pelos sentidos humanos, sem um raciocínio mais ampliado. Ela está nas teias das aranhas, nas colméias das abelhas, nos formigueiros, em algumas frutas, nas asas de algumas borboletas etc. As associações matemáticas são, de fato, constantes, contudo, como o objetivo da proposta é dinamizar as aulas de Geometria estas associações serão limitadas, o que converterá a análise da natureza física em complementar em relação a da natureza humanizada.
Além das limitações em virtude do pragmatismo da proposta, é necessário considerar que nem todos os exemplos a serem trabalhados pela Geometria estão ao alcance de todas as instituições escolares. O que, no entanto, não impede que tais exemplos sejam dados com o auxílio de recursos tecnológicos como computadores e retroprojetores digitais – “data-show’s”. O fato é que a observação preliminar – empírica – servirá fundamentalmente para associações entre os objetos da natureza física ou humanizada e as entidades geométricas. Em um segundo momento, em sala de aula, as associações ganharão consistência técnica.
Um exemplo interessante é o da colméia das abelhas. Na observação empírica, os alunos deverão identificar que os favos de mel são constituídos de blocos com o formato de prismas hexagonais. Na sala de aula a pergunta a ser feita é: por que as abelhas escolhem os prismas hexagonais? A resposta será dada com conceitos geométricos. O professor de Matemática mostrará que, estabelecida uma altura e uma área total das faces, nenhum outro poliedro tem maior volume do que o prisma hexagonal, por isto, estes são a escolha das abelhas para estocar o mel.
O exemplo poderá ser acompanhado por outros similares – garrafas, latas, caixas, geladeiras, embalagens etc. – sem se esquecer de ressaltar a diferença entre as abelhas do primeiro exemplo e os seres humanos que fabricam os últimos exemplos. As abelhas escolhem o prisma hexagonal visando à economia de energia – se escolhessem outro prisma gastariam mais energia se quisessem produzir blocos que armazenassem a mesma quantidade de mel – já no caso dos seres humanos, busca-se economia de materiais, pelo caráter financeiro, sempre aliado à estética do produto.
Após a explanação em sala de aula, utilizando os elementos captados pela observação empírica da natureza para aplicar conceitos geométricos, o professor deverá levar novamente a turma para um ambiente exterior à sala de aula – podendo ou não ser o mesmo da última visita – onde serão analisados novos objetos. Desta vez não mais com uma visão totalmente empírica, mas já com um olhar geométrico, ainda que limitado.
É importante que o projeto não estacione neste ponto. Uma vez que a observação pura e simples não necessariamente – e, aliás, muito provavelmente não o conseguirá – trará bons frutos a turma. Em outras palavras, usando termos científicos, uma “visada” puramente empírica ser trato matemático, não implicará em internalização de conhecimentos, já que o aluno não construiu nada – sempre ressaltando que estamos na linha teórico-metodológica da teoria construtivista de Jean Piaget – e, portanto, não internalizou. O que, aliás, também é ressaltado por BIEMBENGUT (1999):
“O professor propõe que o tema seja, por exemplo, a “Quadra de Esportes da Escola”. Dessa forma, conduz os alunos até o local e solicita-lhes que identifiquem as figuras geométricas. Isso não é Modelagem! O professor está apenas procurando firmar conceitos geométricos, mostrando onde eles se fazem presentes ao nosso redor.” (grifos da autora). O que, em nossa opinião constitui, somente, a primeira fase de aplicação da Modelagem. Partindo-se deste para outra etapa – que constituirá, de fato, da modelagem – que diz respeito à construção de modelos referentes às figuras identificadas.
Então, os novos exemplos serão analisados com maior rigor matemático – se comparado ao da última explanação – e durante um tempo maior que a primeira visita. Sempre respeitando o ritmo que os alunos levam para absorver determinado conteúdo, o que varia de acordo com cada turma. As saídas da sala de aula devem ocorrer durante todo o ano letivo, mas diminuindo a intensidade à medida que o ano for acabando. Vale ressaltar uma vez mais, que os recursos tecnológicos podem auxiliar estes “passeios”, embora não possam substituí-los, complementando as observações com análises geométricas dos objetos da natureza.
A partir deste ponto, a classe estará pronta para construir modelos. Sobre a área de figuras planas, pode-se esperar que os raciocínios auxiliados pelo professor iniciem com divisões em figuras menores para se chegar a uma fórmula final baseada em multiplicação de dimensões, e, daí, aprofundar para se chegar ao cálculo dos volumes e, entender o porquê dos prismas hexagonais das abelhas.

Os materiais.
Como a proposta é fundamentalmente explorar sólidos nos ambientes externos à sala de aula, os materiais necessários, na verdade, já estão prontos a serem observados – muros, calçadas, carros, gangorras, balanço – o que não impede, como já foi explanado, o uso de recursos tecnológicos para levar à sala a realidade a qual as crianças estão inseridas, ou ainda, o uso de embalagens com alguma relevância geométrica levadas à sala pelo professor.

Conclusão.
As nossas pesquisas bibliográficas mostram que a assimilação dos conteúdos se dá de modo mais eficiente quando os alunos são levados a campo para construírem o conhecimento ao invés de simplesmente absorverem o que é passado pelo professor em sala de aula. Constatação que está de acordo com as conclusões das pesquisas de Jean Piaget1, acerca dos estágios de ensino e assimilação nas diversas fases de aprendizagem. Tal fato guiou a nossa proposta de dinamizar as aulas de Geometria.
Ainda que o campo de estudo escolhido pela proposta tenha sido a Geometria, este modelo pode ser aplicado no ensino de outras disciplinas, sejam outras áreas da Matemática ou outras ciências – Física, Química, Biologia etc. Pois nada impede que os modelos fiquem restritos ao ensino da Matemática – desde que, para isto, sejam realizadas as adaptações necessárias às análises correspondentes a cada campo de estudo. Assim, esperamos que o exemplo de uso da Modelagem Matemática no processo de ensino-aprendizagem tenha, afinal, desmistificado um suposto caráter teórico sem aplicação prática desta tendência da Educação Matemática.








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1- Jean Piaget desenvolveu diversas pesquisas condizentes com o processo educacional relatadas em “A Psicologia da Criança”.

Referências Bibliográficas

ANASTÁCIO, Maria Queiroga Amoroso. Considerações sobre a Modelagem Matemática e a Educação Matemática. Rio Claro: UNESP – Dissertação de Mestrado, 1990.
BASSANEZI, Rodney C. Modelagem Matemática como Método de Ensino-Aprendizagem. Boletim da SBMAC, 1990.
BIEMBENGUT, Maria Salett. Modelagem Matemática como Método de Ensino-Aprendizagem de Matemática em cursos de 1º e 2º graus. Rio Claro: UNESP – Dissertação de Mestrado, 1990.
BIEMBENGUT, Maria Salett. Modelagem Matemática & Implicações no Ensino-Aprendizagem de Matemática. Brasil: Editora FURB, 1999.
BIEMBENGUT, Maria Salett & HEIN, Nelson. Modelagem Matemática no Ensino. São Paulo: Editora Contexto, 2007.
BRINGUIER, Jean-Claude; Conversas com Jean Piaget. Lisboa: Bertrand, 1978.
CAMPEDELLI, Luigi. Fantasia e Lógica na Matemática. Brasil: Hemus, 2004.
KIPPER, Cristine Maria; RAMIRES, Janaina Iochims & ROOS, Liane Teresinha Wendling. Geometria e Natureza: uma associação perfeita para trabalhar conceitos geométricos. Santa Cruz do Sul: UNISC – Dissertação acadêmica, s. d.
MACHADO, Silvia Dias Alcântara. Aprendizagem em Matemática. 4. ed. Campinas: Papirus, 2008.
PIAGET, Jean & INHIELDER, Bärbel; A Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989.
RIBAS, João Luiz Domingues & SILVEIRA, Jean Carlos. Discussões sobre Modelagem Matemática e o Ensino-Aprendizagem. Disponível em: <http://www.somatematica.com.br/artigos/a8/>. Acesso em: 12/09/2009.
VENTURA, Aldenir & VICENTE, Amarildo. O Ensino da Geometria com o uso das embalagens. Cascavel: UNIOESTE – dissertação de pós-graduação, s. d.